O dia em que me assumi(ram) Lésbica!
Este talvez seja um dos episódios mais tristes e perturbadores sobre os quais escrevi até hoje, pensar nele ainda me deixa perplexa e pensando: como assim?
Eu estava no segundo ano da universidade de Serviço Social, estava feliz com a vida, tinha o meu primeiro emprego e estava a ganhar alguns trocados que me permitiam viver com dignidade fora do ventre materno e além do mais tinha uma amiga quase irmã. Esta amiga tinha chegado de surpresa e era como pessoa carente que nunca tinha estabelecido uma verdadeira amizade com ninguém, eu estava além de feliz. Infelizmente para a minha mãe isto não foi um bom sinal, e ela achou que tinha sido substituída por outra pessoa - como se isso fosse possível. Eu continuava a viver em casa com minha mãe e todos os seus muitos projetos e ideias e a tentar fazer sentido daquilo tudo. Mas foi um dia, quando finalmente troquei minha mobília de quarto, pois todas as que tinha possuído até ali era moveis usados, retalhos de outras casas e vidas que tentavam compor o meu espaço. Fui até a loja de moveis e escolhi uma cama tamanho KING, a maior da loja, aquela mobília era a primeira conquista do meu salário. Aquela mobília representava a construção de um espaço, numa casa que era mais de outros que de minha, dos meus irmãos ou da nossa família. Lembro perfeitamente que nem tinha tirado as medidas para uma mobília daquele tamanho, mas tinha muita fé de que tudo daria certo, tinha de dar, era o meu quarto, o meu canto - algo que eu nunca tinha experimentado verdadeiramente antes. No dia em que a entrega é feita e a minha mãe percebe o tamanho da cama, sendo eu ainda solteira, a única explicação possível era que eu estava e planeava manter relaçōes sexuais lésbicas com a minha amiga, uma vez que com 25 anos eu nunca tinha beijado um homem ou rapaz. Lembro que senti uma dor na minha cabeça e do sangue começar a jorrar, a minha mãe num momento de total edscompensacão, agarrou em uma das madeiras que seriam o suporte da cama e infligiu um duro golpe na minha cabeça dizendo: " Jamais vou permitir tais vergonhas e liberdades debaixo do meu teto." lembro de me ter defendido das agressões, revidando afinal o que era aquilo?
Saí de casa, expulsa, apenas com as roupas que tinha no corpo e não sabia que rumo seguir, se norte ou sul, mas fui andando ainda confusa e perplexa com o que tinha acabado de acontecer. O meu pai nunca foi resposta e apesar de ele viver perto, não era um amigo a quem eu pudesse telefonar e que fosse orientar-me num momento daqueles. Depois de uns dois quilômetros, sentei na estação de comboios e as lagrimas não paravam de jorrar, onde eu iria passar as próximas noites?
Sim, eu já fiquei se abrigo e não foi por escolha própria, uma hora talvez depois de todas as centenas de pessoas que passavam por mim, uma parou e perguntou se eu estava bem, aquele rosto era familiar e nos próximos meses eu iria dormir num colchão no chão no quarto modesto que esta estrangeira alugara para tentar sustentar a familia na terra natal. Entretanto, meu pai soube mas nunca me chamou para ir morar com ele, trouxe comida ou ofereceu para lavar as minhas roupas. A mãe apareceu uma vez naqueles meses para praguejar que aquela pessoa que havia tido amor por mim iria arder nas chamas do inferno por ter abrigado uma pecadora, uma lésbica. Vivi a solidariedade de um amigo que sempre trazia alimentos de um restaurante onde trabalhava e com algum tempo eu fui superando toda aquela história. A vida não é fácil para ninguém, mas desde então nunca mais ousei pensar contra as pessoas que fazem diferentes opções sexuais do que a minha - sim, sou heterosexual. Deve ser com muito sofrimento que essas pessoas tem de enfrentar o mundo, a sociedade e tantos preconceitos, hoje sou uma pessoa que entende melhor os excluídos, aqueles que se atrevem a viver e a ser diferentes, afinal - que tenho eu a ver com isso?
Tive de ser honesta, enfrentar a realidade de que minha mãe que sempre tinha suspirado pelo meu não casamento, que eu permanecesse virgem e do lado dela até á morte, eram sonhos e expectativas apenas dela e não meus e a minha vida e escolhas começaram a tomar um rumo diferente. Em poucos meses, eu estava numa relação, enfrentando todos os meus medos de castigo eterno, mas vivendo um pouco mais a realidade, mas ainda foram precisos 6 anos até eu conseguir reunir as forças para finalmente sair de casa e não mais voltar. Nunca jamais eu iria permitir que novamente pelo uso da força física ou abuso espiritual a minha cabeça, auto-estima, dignidade fossem atingidas daquela forma - naquele dia minha cabeça jorrou sangue, mas meu coração com piedade pelos motivos maternos de minha mãe, por tal extrema educação jamais voltaria a sangrar. E ali, comecei a viver (...) abençoada pancada!



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